1 – O contexto institucional: A Universidade brasileira, a Rural e o Instituto de Tecnologia

A história da constituição do Instituto de Tecnologia se encontra vinculada ao próprio processo de transformação e reforma da universidade brasileira, ocorrido ao longo dos anos de 1960. A partir da perspectiva, socialmente difundida, de que o modelo de universidade vigente não atendia às novas características da sociedade brasileira teve início um movimento de transformação que se origina com a experiência de implantação da Universidade de Brasília (UnB). Como consequência imediata a Universidade do Brasil (hoje UFRJ), concebida nos anos de 1930 como referência nacional, dá partida, também, a uma tentativa de reformulação.

Do ponto de vista estrutural os principais obstáculos percebidos a uma mudança, que
permitisse uma melhor alocação dos recursos físicos e de pessoal, eram a organização
institucional na forma de escolas profissionais e a organização do magistério a partir das cátedras. Como solução, vislumbrava-se a alternativa de estruturação das universidades com base em departamentos temáticos que pudessem atender à demanda dos diferentes cursos que fossem oferecidos. Tendo em vista que o sistema de cátedras foi consagrado na constituição de 1946 – e não problematizado na Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional de 1961 – só mesmo a UnB, uma universidade inteiramente nova, pôde se libertar dessa limitação.

A Universidade Rural, neste contexto, ao se desvincular do CNEPA (Centro Nacional
de Ensino e Pesquisas Agronômicas) e se reorganizar no processo que culminou no Estatuto aprovado em 1963 – a partir do qual se transformou na Universidade Rural do Brasil – ainda que mantivesse a estrutura das escolas profissionais agrupou, com certo pioneirismo para a época, as suas diferentes cátedras em departamentos com inserção institucional própria. Dentre os 17 criados destaca-se já a presença dos departamentos de Tecnologia e de Engenharia Rural.

Com o golpe de 1964 e a ditadura subsequente os problemas percebidos no ensino
superior, e os consequentes reflexos na estrutura das universidades, passaram a ser
enfrentados com uma série de medidas autoritárias impostas pelo executivo (decretos-lei, leis) com base em diferentes relatórios produzidos por indivíduos (Plano Atcon) ou comissões (Meira Mattos, Grupo de trabalho para a Reforma Universitária) que culminaram com a Lei Nº 5540 de 28/11/1968, lei esta que se identificou como a própria reforma universitária.

Dentre estas medidas, em 19/05/67 (Dec. 60.731), a Universidade Rural do Brasil – junto com as outras universidades rurais – é desvinculada do Ministério da Agricultura e transferida para a responsabilidade do Ministério da Educação e Cultura (MEC) sob o novo nome de Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Na sequência efetua-se um processo de reformulação interna que se cristaliza na aprovação pelo Conselho Universitário (18/07/68) de um “Plano de Reestruturação” elaborado por uma comissão de “Reforma do Estatuto”. Neste Plano, seguindo as diretrizes contidas nos documentos oficiais (Dec-Lei Nº 53 de 18/11/66 e Dec-Lei Nº 252 de 28/02/67) encontrava-se, já, a reorganização da universidade em termos de Institutos Básicos e de Aplicação, constituídos, cada um, pelos departamentos correspondentes. Observe-se aqui que o Plano não se referia, ainda, à alocação efetiva dos departamentos existentes nos diferentes institutos propostos. Destaca-se, porém, que entre os Institutos propostos figurava o Instituto de Tecnologia como um dos institutos de Aplicação. O plano foi então enviado para o MEC e, respeitado os trâmites da legalidade vigente, foi aprovado pelo Dec. No 69.492 de 29/10/682. A partir de então a UFRRJ adota em seu processo deliberativo interno a nova organização proposta no Plano e parte para a elaboração de um novo estatuto, condizente com as diretrizes aprovadas.

A proposta de um novo Estatuto foi apresentada e aprovada nas reuniões de 06 e 08/05/69 do Conselho Universitário (CONSU). Nesta constava, mais uma vez, a presença de um Instituto de Tecnologia. Depois de algumas idas e vindas, que envolveram rejeição ou aceitação de recomendações do Conselho Federal de Educação (CFE), o Estatuto foi aprovado pelo parecer No 770 do CFE (10/10/69) e posteriormente pelo Dec. No 66.355 de 20/03/70. Com o novo Estatuto em vigor, procede-se a elaboração do Regimento compatível.

Ao analisar todo esse processo verifica-se uma peculiaridade que exige um registro: o
fato de que, entre todos os institutos propostos ou sugeridos, o Instituto de Tecnologia (IT) foi o único que se manteve intacto desde a proposição original até a efetiva implementação como hoje são todos eles reconhecidos. Várias modificações, seja no nome ou no caráter, podem ser observadas nos demais. O IT parece ter sido um caso de consenso peculiar em todo esse movimento de reestruturação; seja interno ou externo à própria UFRRJ. As razões para isso não são claras ou, pelo menos, não estão aparentes nas fontes documentais. Poder-se-ia, apenas, especular em torno de algumas ideias; o que fugiria dos objetivos desse texto.

Em 1970 a UFRRJ dá início ao processo de tornar a nova estrutura uma realidade. Na
reunião de 11/08/70 o CONSU aprova a indicação – baseada em designação da reitoria
através do ofício N0 271 de 10/08/70 – de coordenadores para implantação dos Institutos com os docentes pertencentes aos respectivos departamentos encarregados de eleger a sua diretoria. Ao IT correspondia a coordenação do professor Layette Estelita Romeiro de Mello e os departamentos de Tecnologia e de Engenharia Rural.

A partir de 1971, nas reuniões do CONSU (03/02/71), os membros começam a ser
referenciados como diretores de instituto. O que sugere que a nova estrutura começava a se fazer presente na operação efetiva da UFRRJ. No caso do IT, isto ocorre na reunião de 24/03/71. Importante registrar que uma transformação estrutural antecedeu a própria implantação formal: a implementação do regime de “Créditos”, em 1972.

Algumas modificações ainda são realizadas até que a versão definitiva se estabelecesse com o parecer CFE 3.716/74 e a homologação pelo ministro publicada no diário oficial (DO) em 02/12/1974 do novo Estatuto e, na sequência, a homologação do Regimento (DO, 28/05/1975). Sendo assim, surge o Instituto de Tecnologia composto por três departamentos: Tecnologia Química (DTQ), Tecnologia de Alimentos (DTA) e Engenharia Rural (DER) que, um tempo depois, se desdobrou nos departamentos de Engenharia (DE) e de Desenho e Construções (DDC).

2 – O Curso de Engenharia Química da Rural

A partir de uma intensa luta política dos estudantes e de suas famílias, a Engenharia
Química (EQ) tem início na UFRRJ (ainda Universidade Rural do Brasil) em 1966, como resultado da incorporação de 100 entre os alunos excedentes (aprovados, mas não classificados para as vagas disponíveis) do vestibular da Escola Nacional de Química (hoje, Escola de Química – UFRJ).

Creio justificar-se um breve parêntese para contextualizar essa questão. Naquela
ocasião o processo de admissão na Universidade era conduzido pelas diferentes Escolas e Faculdades, das diversas Universidades, a partir de exames elaborados por elas próprias, onde era exigida a obtenção de uma nota mínima. Atingida esta nota os estudantes eram considerados aprovados e, portanto, aptos a ingressar nos respectivos cursos. Os excedentes eram justamente aqueles aprovados, mas que não obtinham a classificação correspondente às vagas disponíveis. Estes processos foram, inclusive, uma das motivações para as reformas no sistema universitário, como anteriormente apresentado.

Voltando à realidade da EQ na Rural, verifica-se que estes e todos os ingressantes posteriores – até a concretização da reforma, a partir de 1974 – cursaram “cadeiras”, em regime seriado, oferecidas principalmente por três dos departamentos da estrutura existente: Departamento de Física e Química, Departamento de Matemática e Estatística e Departamento de Tecnologia. O primeiro destes, por envolver os docentes mais diretamente relacionados com o processo de criação do curso, teve papel destacado na sua condução com reflexos, inclusive, em um período pós-reforma.

Deve-se registrar que os estudantes ingressantes em 1966 compuseram os primeiros formados do curso, em 1969. Neste mesmo ano, o curso foi reconhecido formalmente pelo MEC e, portanto, aparece em alguns documentos da Rural como o momento de “criação” do curso. Na realidade esta “criação” tardia deveu-se ao fato de que, até aquele momento, o curso não apresentava uma inserção bem definida na Rural. Foi referido em algumas oportunidades como curso de “Química Industrial”, em outras, fazia-se menção a uma suposta “Escola de Engenharia Química” que, entretanto, jamais chegou a ser constituída formalmente.

Uma transformação ocorre na sequência do processo de reestruturação interna da UFRRJ e da implantação do sistema de créditos. Neste sistema, como é natural, as disciplinas que compõem a grade curricular são distribuídas por diversos departamentos temáticos e oferecidas em regime semestral. Assim ocorreu com a Engenharia Química que, em suas áreas específicas, teve as disciplinas vinculadas ao recém-criado Departamento de Tecnologia Química. Este fato – associado à criação de diversos outros cursos (1970/76) fora do universo agronomia/veterinária – foi propiciando a construção de identidade para o curso no contexto institucional.

Entretanto, a nova organização acadêmica, a partir de cursos com disciplinas (e créditos) distribuídas por diversos departamentos, induziu à alocação regimental das coordenações dos cursos nos departamentos com a maior participação relativa nos créditos totais de cada curso. Assim, até 1990, a coordenação do curso de Engenharia Química, dada a composição curricular, foi ocupada por docentes do Departamento de Química (DEQUIM), do Instituto de Ciências Exatas (ICE).

Na perspectiva curricular poder-se-ia apontar alguns marcos que refletiram-se em alterações substanciais. O primeiro, certamente, deveu-se a própria instituição do regime de créditos e do DTQ. O momento seguinte foi do final dos anos 1970 aos iniciais dos 1980; creio que em razão de uma resolução do CFE (Nº48) de 1976 que instituiu os chamados “currículos mínimos” para os cursos de engenharia. O terceiro marco consubstanciou-se em 1987, a partir da iniciativa dos novos docentes que foram se incorporando ao DTQ.

O último, ocorreu em 2000, como resultado de nova LDB, de 1996, onde foi indicado a substituição da ideia de currículos mínimos pela de diretrizes curriculares. Estas sinalizavam para uma maior flexibilização curricular, ao mesmo tempo que colocava como indispensável um projeto pedagógico que se apresentasse como o organizador de todo o processo de concepção dos currículos. Apesar de algumas modificações terem ainda sido implementadas, esse é o contexto geral que configura o curso hoje.

3 – O Departamento de Tecnologia Química/Engenharia Química

O DTQ, como visto anteriormente, surge no processo de constituição do IT e foi, no início, composto pelo corpo docente que já participava no oferecimento das disciplinas (“matérias”) do curso. Ao longo dos primeiros anos as necessidades trazidas pelas incipientes reformas curriculares foram sendo atendidas pela contratação de professores temporários, até que a institucionalização dos concursos públicos ocorresse.

A partir da década de 1980, entretanto, o DTQ, para além de dobrar o número de professores, experimentou um período de transição que – acompanhando o próprio processo de transformação da universidade brasileira – poderia ser caracterizada pela chegada de uma nova geração associada a outro conjunto de valores acadêmicos. Ou seja, a contratação em regime de 40h com dedicação exclusiva, o interesse na pós-graduação e na atividade de pesquisa e a consequente valorização da titulação. Uma realidade que refletia uma profissionalização voltada, preferencialmente, para a carreira docente.

É claro que uma tal alteração no perfil de seu corpo docente se refletisse na natureza e no modo de condução das disciplinas oferecidas pelo departamento. Acrescente-se, ainda, a criação do curso de Engenharia de Alimentos (1992), com diversas disciplinas vinculadas ao DTQ, e pode-se aquilatar a dimensão da transformação sofrida pelo departamento desde a sua constituição. Neste período ocorre também um incremento permanente da titulação de seus docentes, em diversas instituições, do Brasil e do exterior. Ao mesmo tempo sucedem-se várias alterações em sua composição, na medida em que muitos partiram, e outros tantos se incorporaram.

Por fim, deve-se registrar a criação do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química (PPGEQ) no ano 2000 e a consequente incorporação de outro perfil de estudantes no seu cotidiano, além de um profundo desenvolvimento de sua infraestrutura física.

Como resultado de todo esse processo de transformação sumariamente descrito, agregado ao fato de que três novos cursos criados com disciplinas oferecidas pelo departamento, o DTQ entendeu, no início dos anos 2000, que deveria vincular-se mais explicitamente ao contexto da engenharia e passou a denominar-se, então, Departamento de Engenharia Química (DEQ).

4 – Considerações Finais

O esboço aqui apresentado não autoriza conclusões mais profundas sobre as
motivações que induziram a determinadas decisões. Várias lacunas subsistem ainda – pela própria heterogeneidade das fontes utilizadas – em relação a diversos momentos decisivos na história, tanto do curso, como do próprio DEQ. Tratou-se, portanto, mais de um arranjo cronológico desses momentos do que de sua efetiva interpretação. Assim sendo, optou-se por destinar às notas as inferências que pareceram razoáveis.

Entretanto pode-se, ao mesmo tempo, destacar alguns aspectos importantes para
construir uma visão de conjunto que estabeleça uma relação direta entre os movimentos das políticas públicas para as universidades e os seus reflexos na configuração de cursos e departamentos acadêmicos.

Tendo sido criado por circunstâncias alheias aos movimentos institucionais internos, o curso de Engenharia Química enfrentou dificuldades de inserção plena até que, como resultado de uma política educacional nacional dirigida a outros resultados, pôde enfim, encontrar um leito aonde amadurecer e se desenvolver. É também possível estabelecer o vínculo entre esse processo e aquele experimentado pelo departamento mais diretamente relacionado aos seus contornos científicos e didáticos. De todo modo fica ainda o registro de uma experiência que, se não é única, certamente é rara: um curso de graduação constituído antes da estrutura acadêmica associada aos seus interesses e objetivos.

Disciplinas da grade curricular dos alunos formados em 1969

2º Série
• Resistência dos Materiais
• Eletrotécnica Geral

3º Série
• Mecânica dos Fluidos
• Transmissão de Calor
• Termodinâmica e Máquinas Térmicas

4º Série
• Operações Unitárias da Indústria Química
• Processos Unitários da Indústria Química
• Química Industrial
• Processos Unitários da Indústria de Fermentação
• Economia, Estatística e Organização Industrial

Disciplinas incorporadas/transformadas pelo DTQ – 1974

  • Mecânica dos Fluidos
    • Transmissão de Calor
    • Termodinâmica e Máquinas Térmicas
    • Operações Unitárias da Indústria Química I
    • Operações Unitárias da Indústria Química II
    • Processos Unitários Orgânicos I e II
    • Processos Unitários Inorgânicos I e II

Disciplinas novas introduzidas pelo DTQ – 1984

  • Cálculo de Reatores
    • Instrumentação e Controle de Processos
    • Projeto de Processos Industrias
    • Higiene e Segurança Industrial

Disciplinas do DTQ após a reforma curricular de 1987

  • Introdução à Engenharia Química
    • Métodos Matemáticos aplicados à Engenharia Química
    • Mecânica dos Fluidos
    • Transferência de Calor
    • Transferência de Massa
    • Termodinâmica Aplicada
    • Operações Unitárias da Indústria Química I
    • Operações Unitárias da Indústria Química II
    • Operações Unitárias da Indústria Química III
    • Processos Unitários Orgânicos I e II
    • Processos Unitários Inorgânicos I e II
    • Cálculo de Reatores
    • Controle de Processos
    • Projeto de Processos
    • Engenharia do Meio Ambiente
    • Fenômenos de Transporte experimental
    • Operações Unitárias experimental
    • Processos Unitários Orgânicos experimental
    • Processos Unitários Inorgânicos experimental

Disciplinas do DTQ/ DEQ após a reforma curricular de 2000

Introdução à Engenharia Química
• Fundamentos de Engenharia de Processos
• Métodos Computacionais aplicados à Engenharia Química I
• Métodos Computacionais aplicados à Engenharia Química II
• Mecânica dos Fluidos
• Transferência de Calor
• Transferência de Massa
• Termodinâmica Aplicada